Açucena abriu os olhos com o sol a irromper-lhe pelas janelas. O dia já raiara, iluminando o quarto pois os pesados reposteiros nem sequer tinham sido cerrados.
A sensação de desalento já era sua companheira há muito tempo. Levantou-se maquinalmente do toucador. O espelho devolveu-lhe a sua face pálida, magra, de olhos encovados. Ao lavar-se e empoar-se recordou as nódoas negras que tinha de disfarçar. Apesar de franzina, notava-se a sua avançada gravidez. Era já a terceira. O primeiro filho não vingara e na segunda gravidez perdera a criança ao quinto mês após uma grande desavença com o marido. Édouard! Só de pensar nele, o seu coração bateu descompassado de medo. Este não se encontrava no paço, provavelmente sairá para uma noite de jogatina, ou estava com alguma das suas amantes.
Olhou novamente para a sua cara no reflexo do espelho; ia ser impossível disfarçar o inchaço daquele olho. Suspirou. Quase sentia alívio ao pensar que o marido podia estar com uma amante. Era quando vinha mais calmo.
Bateram à porta do aposento. Devia ser a criada anunciando a visita de mais um credor. Efetivamente era a criada, mas trazendo uma missiva; tratava-se de um convite para um baile no palácio Real dali a cinco semanas. Suspirou. Mais endividamentos e fingimentos em prol dos favores do Rei. Teria ela própria de costurar uma indumentária para o evento. Mas nem tecidos tinha. Talvez desse para reformar algum vestido mais antigo.
Chamou de novo a criada e com voz cansada combinou os arranjos. A criada olhou-a de alto a baixo, com ar reprovador mas amigável e disse:
-A senhora acha que está em condições de ir a algum baile? Mal se segura em pé!
-Francine, sabes perfeitamente que se eu fizer menção de não ir, Édouard arrasta-me nem que seja pelos cabelos…Sem mim ele perde influência junto ao Rei…
Açucena era muito querida pelos monarcas e já conseguira alguns favores e indulgências reais que os tinham salvo da ruína. Contudo sabiam que até a paciência do monarca tinha limites. Suspirou. Naquele momento ouviu-se o trote dum cavalo e um vozear no pátio. Era Édouard que chegara. Açucena ficou logo agitada.
Nos primeiros meses do casamento Édouard ainda fora minimamente gentil com ela. Contudo, com o tempo, tornara-se ébrio e batia-lhe com alguma frequência, tendo acessos de ciúmes totalmente infundados.
Açucena sofria muito e durante aqueles 7 anos, pensara frequentemente em Philippe. A lembrança dele trazia-lhe conforto, alento e força para ir enfrentando o momento presente e os piores momentos. Também guardava uma caixinha de música que Philippe lhe oferecera poucos anos depois de se mudar para o bairro dela. Philippe! Nunca mais soubera dele. Não sabia sequer se estava vivo ou morto. Mas preferia pensar que estava vivo, pois o contrário como que lhe tirava a vontade de continuar viva. Sim, ela sentia em seu coração que ele estava vivo. Às vezes, quando Édouard a surrava, nomeava Philippe e o amor que o professor lhe devotava, enchendo-os de impropérios.
Açucena recordava as lições do loiro professor com saudade e afeto. Não, mais que isso: com amor. Após todos aqueles anos percebera que a doença de Philippe era irrelevante. Agora, entendia tudo o que ele lhe tinha tentando transmitir na altura. Rememorava a declaração de amor de Philippe com doçura e o seu quase beijo com enleio. Como fora tonta e ingénua!
Gentilmente pegou na caixinha de música que o louro homem lhe oferecera e ficou a ouvi-la com ar doce. Sim, ela amava Philippe.
-Sentada à minha espera? – A voz de Édouard soou arrastada e irónica vinda da porta do aposento.
-Sim meu querido. – Devolveu-lhe ela com voz sumida.
Olhou-o de soslaio. Ele continuava extremamente atraente. Édouard avançava lentamente até ela, olhando-a vorazmente. Açucena ainda não se tinha vestido. O marido agarrou-a abruptamente, beijando-a sem cerimónia. Esta debateu-se um pouco devido à brusquidão. O duque atirou-a para cima da cama com violência. Açucena chorava suplicando-lhe para ele ser gentil.
-És minha! Pertences-me! – Rugiu ele fitando-a duramente. – Eu, como teu marido, possuo-te como e quando eu bem entender!
Açucena gritou com a dor. Confuso Édouard olhou para os lençóis alvos que se encharcavam com um líquido viscoso e avermelhado. A bolsa das águas rebentara e a mulher entrara em trabalho de parto.
Link da 4ª parte: http://artlira.blogspot.pt/2011/03/acucena-chapter-iv.html
Link da 6ª parte: http://artlira.blogspot.pt/2011/05/acucena-chapter-vi.html
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Todos os direitos reservados.
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