Philippe
não queria saber duma versão melhorada de Edouard. Teimava em não querer
acreditar, mesmo que lá no fundo soubesse que isso era verdade. Se ele
acreditasse, a sua vingança pessoal poderia perder sentido.
Havia
instalado Charlotte no seu palácio. Olhou-a com pena e preocupação. Ela
havia-lhe contado a sua história o que deixara o príncipe apreensivo. Não sabia
bem como ajudá-la.
Alguns
dias passaram e ele cuidava da rapariga que recobrava as forças. Sentia-a um
pouco órfã no mundo. Ela era novinha. Talvez tivesse vinte anos. Naquela noite
ela chorara mais uma vez pelas traições de Edouard. Passou nos seus aposentos e
vira a porta entreaberta e percebeu que ela adormecera vestida e a chorar. Suavemente
e com gestos fraternos desapertou-lhe o corpete, procurando aconchegá-la.
Charlotte entreabriu os olhos sorrindo ensonada.
- Que
significa isto?? – Gritava Açucena completamente desvairada.
Surpreendidos
os dois não tiveram reação. Açucena, alucinada, esmurrou o príncipe com as duas
mãos. Este agarrou-lhe os pulsos com força enquanto ela se debatia. O resultado
foi ela libertar-se num ímpeto, batendo com a cabeça numa mesinha. Tudo ficou
negro e silencioso.
Quando
começou a recuperar os sentidos Açucena, ouviu uma azáfama e vozes distantes. O
dia raiava há muito por entre os reposteiros. Ao abrir os olhos foi mirada por
caras estranhas, desconhecidas.
-Acordou.
– Disse um homem careca e de bigode que tinha um monóculo. Outro homem alto e
largo como um armário levantou-a sem cerimónia e sentou-a numa cadeira. O seu
pé embateu num tecido volumoso. Olhou. Charlotte jazia no soalho com tez cinza
e uma ferida enorme numa das fontes. De Philippe nem sinal.
- Desculpe-nos mas teremos de levar a menina até ao cárcere do
rei para depois ser interrogada.
Açucena empalideceu e assustada quis fugir. O homem armário
impediu-a pegando nela como quem pega uma trouxa leve.
Atordoada e sem querer acreditar no que lhe estava a acontecer,
a duquesa viu-se a ser levada para a prisão real. Atirada para uma cela depois
de despojada das suas jóias e vestido e enfiada numa túnica de serapilheira,
agachou-se num canto. Nem meia hora depois voltava o homem do monóculo e o
homem-armário. Agarraram-na sem cerimónia enquanto despejavam um grande balde
de água fria em cima dela.
- Onde está o príncipe
de Angelis? Porque você assassinou esta jovem?
A jovem mulher quis protestar mas não a deixaram falar,
esbofeteando-a violentamente. Prosseguiram assim por algum tempo que pareceu infindável
para ela. Finalmente saíram.
Após longos momentos, talvez horas, em que a duquesa se
perguntou do porquê desta situação, tentou relembrar o aparecimento de Charlotte
em sua casa e o facto de Edouard as ter surpreendido.
Gerara-se um tremenda discussão entre a outra jovem e Edouard
em que este perdera a paciência ameaçando Charlotte de a surrar. Fôra então que
ela fugira.
Jamais esperara encontrá-la na casa de Philippe. Açucena
gemeu dorida tanto por fora como por dentro. Não percebia o que se passava.
A noite já ia alta e a lua iluminava pelo quadrado gradeado
quando o homem-armário voltou. Trouxe-lhe água. Hesitante ela aceitou. Ele
acariciou-lhe o cabelo. Ela repudiou-o mas de nada adiantou. O homem rasgou-lhe
a túnica e sem cerimónia penetrou-a enquanto lhe tapava a boca. Açucena gemeu
de dor, enquanto lágrimas escorriam pelas faces. Humilhação suprema.
Dali em diante o homem armário aparecia à mesma hora e o
ritual repetia-se. Açucena vivia aqueles momentos com repulsa e sacrifício.
Até que um dia em que o ritual se repetira, o homem estacou de
repente com os olhos esbugalhados e caiu pesadamente a seu lado. Nas suas
costas encontrava-se cravado um punhal. A figura dum guarda recortava-se na
sombra da cela. Açucena não reconheceu nenhuma cara amiga.
- Com os cumprimentos do rei. – Anunciou o jovem homem com
respeito. E saiu tão enigmaticamente como entrara. Açucena interrogou-se
intrigada : “ O rei livra-me da violação mas não da prisão. Qual será o seu
intuito?” Conjeturou: “ E onde estarão Philippe e Edouard que não apareceram? Nem
mesmo Evelyn surgiu ou me veio tentar salvar!”
Não longe dali, três dias antes, os dois homens amordaçados
tinham sido postos numa galera real para terras distantes.
Evelyn evaporara-se simplesmente.
Imagem de Phoenix Lu
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